A linha e a agulha
Autor - Amélia de Fátima Aversa Araújo - em
12 de maio de 2022
- Atualizado às 17:09
Um conhecido apólogo de Machado de Assis trata da discussão entre uma agulha e um novelo de linha. O carretel, arrogante e orgulhoso, desprezava o trabalho da agulha, que considerava subalterno, a abrir caminho antes do imperador. A agulha, muito ofendida, esclareceu que ela é quem fazia tudo, pelas mãos habilidosas da costureira, ao contrário da linha. Ao final, a linha desforrou-se da agulha, dizendo-lhe que ela estaria para sempre costurada no vestido de baile, no corpo da baronesa, e dançaria com ministros e diplomatas, ao passo que a agulha seria guardada na caixa, antes de ir parar num balaio. Machado termina, dizendo que um professor de melancolia concordou: “Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!”
Por que esse apólogo vem à mente? Pela analogia indisfarçável com diversas relações humanas, e até com crimes, entre eles o aproveitamento inescrupuloso do trabalho intelectual de outrem.
Basta uma cinzelada, ou nem isso, no resultado da árdua labuta intelectiva de terceiro, uma apropriação indevida da autoria, sem qualquer citação, e o agente recebe os benefícios: láurea, prêmio, certificado, contratação, vencimentos.
O chamado “plágio” configura violação de direitos autorais, ou de propriedade literária, científica ou artística.
Eventualmente, avulta como meio para prática de crimes patrimoniais, licitatórios etc.
Faz-se urgente uma mudança de mentalidade, que não considere “normal”, “aceitável”, “inevitável” ou “insignificante” esse apoderamento ilícito.