Autor - Amélia de Fátima Aversa Araújo - em
7 de maio de 2021
- Atualizado às 14:58
Existe um costume antigo, ao se lamentar um acontecimento, de “maldizer” a hora que teria sido ensejadora do evento. Se uma pessoa comete traição, a hora maldita é aquela em que se conheceu a pessoa; se alguém é enganado, ou sofre prejuízo, ou acidente, maldita é a hora em que o sujeito se deixou enganar, acreditou no larápio, não tomou cuidados suficientes etc.
Maldizer, nesse sentido, e quase sempre de modo impulsivo, envergonhado, indignado e recriminado, equivale quase a amaldiçoar, imprecar. O que também é transgressão. O contrário de bendizer, abençoar. Revela o desgosto, o descontentamento, o íntimo e absurdo desejo de que aquilo jamais tivesse acontecido, como se fosse possível imprimir àquele momento toda a responsabilidade pelo mal vivenciado. É mágoa. Nessa toada, nenhuma hora seria bendita.
Maldita a hora em que a criança ficou presa no barril, torturada, nua e faminta, enquanto a mãe se deleitava com as refeições. Maldita a hora em que a idosa foi estuprada, embora implorasse ao jovem muito mais forte, que a respeitasse, pois podia ser sua avó. Maldita a hora em que o homem adulto, proeminente em seu meio, tranca a porta do quarto para espancar e matar o menino de tenra idade.
O direito criminaliza muitas condutas que tornam as horas malditas. E como é amargo constatar que tais horas se multiplicaram.
Sob essa ótica, crimes são comportamentos que se quer evitar, ameaçando-os com uma punição, para que as horas permaneçam sem mácula. Para que as horas não sejam malditas.
Sim, divago.
Amélia Aversa Araújo
aversaaraujo.com.br